segunda-feira, 23 de maio de 2011

Racismo e a culpa da cabeleira!

Sempre que tenho contato com sociedades diferentes, busco conhecer e conviver um pouco com a cultura local, seus costumes, com sua gastronomia,  música, estilo e etc. E isso não se trata de aculturação, mas de identificação e respeito para com o lugar que recebeu-me.
Confesso que sempre repudiei quaisquer atos de racismo ou preconceitos em relação a cor de pele,  raça ou etnia. Sempre perguntei-me: Mas quando e de quem nasceu essa ideia absurda de classificar as pessoas pela cor? Obviamente a antropologia e a história nos responde, por mais inaceitável que nos pareça. E, independentemente de análises antropológicas, digo que aqui mesmo em África, o racismo continua mais forte do que em qualquer outro lugar.
Nos meus conceitos primários, racismo era quando uma pessoa de uma raça não gostava de pessoa de uma raça diferente da sua. Como por exemplo o branco não gostar do negro e o negro não gostar do branco.
No entanto, o que mais me intriga é o fenómeno que eu constantemente presencio, o fato de o negro, inconscientemente discriminar o próprio negro.
Não vou generalizar é claro, mais vou citar casos comuns que eu vivenciei.
Certa vez, estava conversando com uma colega negra moçambicana. Ela disse-me então que tinha três empregadas domésticas e que para duas delas pagava 3.500,00 meticais (moeda local) e para outra pagava 5.000,00 meticais. Eu então disse que essa que ganhava mais devia ser mesmo muito eficiente, para diferenciar-se das outras. Ela então, respondeu-me que essa outra ganhava mais porque era “mulata” e as outras eram negras. Ou seja, que aquela devia ganhar mais porque tinha a pele mais clara que a das outras empregadas, justificando ainda: ela é a babá do meu filho menor, ele gosta mais dela porque ela é mais clara.
Certa vez no meu trabalho, fui abordada por um comerciante que perguntou se eu conhecia alguém que quisesse trabalhar com vendas, mas que deveria ser português ou brasileiro. Eu então questionei: Mas por que não pode ser um Moçambicano? Ele respondeu: "Contanto que seja um branco ou clarinho... Em Moçambique, se eu colocar um negro para vender, os brancos até podem compra se precisarem do produto, mas um negro, por mais que precise do meu produto, prefere comprar de um branco. Detalhe: Esse comerciante era negro.
Duas de minhas colegas, observando a maneira que eu trato a minha empregada doméstica, disseram: “Por que você diz por favor e obrigado sempre que pede alguma coisa para sua empregada? Se ela é sua empregada e você esta a pagar para ela te servir, não tem nada que dizer por favor e obrigada. Não se pede, manda-se. Se tu ficares tratando essa negra bem, ela vai te faltar respeito! Se ainda fosse da tua cor, tu até poderias dizer obrigado, mas nem é”. Obviamente não tive mais coragem de fomentar essas amizades.
Por uns meses usei tranças africanas. Sim, aquelas tranças feitas com mechas bem longas que é um símbolo da beleza africana. E por sinal gostei muito, só não imaginara que o cabelo poderia ser um instrumento de manipulação social.
Na minha visão, foi um ato tão simples quanto de mudar de penteado, mais não na realidade o impacto foi maior do que eu poderia supor.
Depois que coloquei as tranças, passei a ouvir coisas absurdamente preconceituosas, como do tipo: “Você esta parecendo africana, é melhor tirar isso!”. “Vão achar que você é negra!”. “Se você é brasileira, por que usa isso?”. Eu apenas imaginava, “e daí” pensarem que eu sou africana? Qual é o problema disso? Bem, com o tempo fui observando o que tudo isso significava.
No prédio em que vivia  depois que passei a usar as tranças, os porteiros e seguranças do prédio não me davam mais bom dia com o mesmo vigor de antes, nem me ajudam a carregar as compras. Quando entrava numa loja o vendedor não atendia-me com a mesma simpatia. No restaurante, o garçom atendia primeiro o cliente que ele julga ser branco, ou mais branco que eu. Quando eu perguntava minha cor para um moçambicano antes de usar as tranças, ele dizia que eu era “brasileira” (branca), depois das tranças, fui classificada como “mulata”. Antes das tranças, Perguntavam: “Você é de que lugar do Brasil?”, depois das tranças dizem: “Moraste no Brasil quanto tempo?”, ou então: “És brasileira?????!!!”.
Recordo-me de ter entrado numa padaria brasileira aqui em Maputo. Escolhi os produtos, aguardei na fila normalmente, que quando eu abri a minha boca e fiz o pedido, todos, acreditem, todos que estavam ao me redor, entre brasileiros, libaneses e moçambicanos, ouvindo meu sotaque brasileiro, pararam, olharam-me da cabeça aos pés, depois encararam a minha face, com um olhar de repúdio e espanto, como se quisessem dizer: “Você é brasileira? Usando essas tranças, credo!!”. Eu podia ler isso na mente de cada uma dessas pessoas. E juro, juro mesmo que não me incomodei em nada de pensarem isso, apenas fiquei decepcionada em ver a praga do racismo se proliferando em frente aos meus olhos.
Quando ia ao mercado, restaurante, ou qualquer outro lugar em que o atendimento não estivesse bom, as pessoas que acompanhavam-me diziam: “Esta vendo! É tudo culpa do seu cabelo!”. Então eu pensei: “Quer dizer então que para eu ser bem tratada aqui eu tenho mesmo que parecer ser branca ou a mais clara possível? Sinceramente, fico tão triste que, em pleno desenvolvimento e globalização, ainda possa existir tanto racismo assim. Que pós-modernidade é essa? Parece que ao invés de evoluirmos estamos voltando a época do mercatilismo.
Tinha a impressão que em qualquer momento eu poderia ser capturada por um português e ser vendida no mercado como uma escrava branca. E tudo por causa da cabeleira!