sábado, 16 de abril de 2016

Se quiser me encontrar não me procure


Eu não sou ferro para andar sempre nos trilhos.
Não sou carretel para sempre estar na linha.
Não sou pássaro para sempre estar nas nuvens.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Não sou rocha para sempre estar dura.
Não sou gelatina para sempre estar mole.
Não sou fogo pois nem sempre aqueço.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Não sou alguém para ser intitulada.
Nem sou ninguém para ser esquecida.
Não marque hora, pois eu não tenho relógio.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Por isso não procure-me no sol, pois eu nem sempre brilho.
Não vasculhe a lua pois eu nem sempre durmo.
Encontro-me nos meus diversos.
Se quiser me encontrar, não me procure...

Sou como a água: dependendo do estado posso cair como chuva, congelar-me como gelo ou desaparecer em estado gasoso.

E assim me manterei em mim, pois eu nunca serei, apenas estarei.
Se quiser me encontrar, nao me procure, nao me chame, não seja.
Apenas esteja ao meu lado, me segure e me transforme.


 
 

domingo, 3 de abril de 2016

Somos todos invejosos ?


Dentre os sete pecados capitais (gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e soberba) plasmados pela doutrina católica e difundidos na cultura mundial, por que seria a “inveja” o único dentre esses "pecados" o qual não temos o prazer em admitir? Postamos fotos em redes sociais demonstrando nossa gula em jantares e eventos sociais ou a luxúria em nossas vestimentas e demais bens materiais; a avareza, ao não ajudar o próximo; a ira e a soberba em nossas relações interpessoais quando odiamos o que nos é diferente e na maioria das vezes não dando o braço a torcer naquela discussão com o amigo, sempre com o sentimento de que possuimos a razão, doa a quem doer; ou a preguiça, praticada como algo normal e legitimável. Mas, e a inveja, quando publicizamos?

"A inveja é tão vil e vergonhosa que ninguém se atreve a confessá-la" (Ramon Cajal)

Tom Jobim afimou certa vez que: “fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal”. Seria essa afirmação apenas um delírio poético ou uma realidade? De fato “seríamos todos invejosos?”. O historiador e escritor Leandro Karnal afirma que sim. Mas o que nos faz não admitirmos uma coisa que somos, ou melhor, que sentimos? Por que, tal como a preguiça, ao afirmar que “estou com uma preguiça hoje...”, nunca falamos “estou com uma inveja...”? Será que além de invejosos somos também todos hipocritas?
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio... (Mario Quintana)
Será que assim como o “pecado original” também nascemos com a “inveja original”? Talvez prudente seria admitir que, a inveja, além de um sentimento incontrolável (dai o seu caracter de vício) seria nada mais nada menos que o auto-reconhecimento do próprio fracasso, um atestado de incompetência.
"A inveja é a amargura que se sofre pela felicidade alheia" (Cícero)

Na maioria das vezes a antipatia por alguém ou a célebre frase “eu não vou com a cara dessa pessoa” refere-se ao invejar o outro, possuindo o desejo e ao mesmo tempo o “sentimento de incapacidade de não ser ou não ter aquilo que o outro é ou tem". Observem que não falamos apenas do possuir. Já vi  pessoas terem inveja do sorriso da outra... da maneira de andar, de falar... enfim, da maneira de ser do outro. E acreditem, muitas vezes inconscientemente.
A inveja é uma admiração que se dissimula (Soren Kierkegaard)

O invejoso acaba por julgar, reprovar ou falar mal daquilo que ele mesmo não compreende, exatamente por não ter. Recentemente uma pessoa me disse que uma outra falava mal de mim e não suportava-me pela maneira que eu escrevia. Ora, vejamos, no fundo essa pessoa nutria um despeito, não exatamente porque eu escreva bem, mas exatamente porque ela escreve mal. Afinal, o sentimento dessa pessoa não era contra mim e sim contra ela mesma. Interessante.

"A inveja consome o invejoso, como a ferrugem o ferro" (Antístenes)

Obviamente, além de a inveja ser o único “pecado capital” não admissível, ela na maioria esmagadora das vezes também não é reconhecida pela própria pessoa detentora da inveja, o que, logicamente não acontece com a pessoa que é invejada, que normalmente percebe ser alvo de inveja. Pela lógica, até faz sentido a pessoa não admitir que tem inveja, pois na maioria das vezes ela nem sequer percebe que tem. E fica difícil admitir uma coisa que você não sabe que tem. Será que além de sermos todos invejosos também somos todos cegos? Muitas vezes parece que sim.

"Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar" (Friedrich Nietzsche)
Mas, de acordo com Karnal, existe uma notável diferença entre inveja e cobiça. Esta última seria de cunho superficial e não nocivo. Por exemplo, eu desejo o carro do vizinho, vou e compro um igual. Ou seja, cobiça é a capacidade de desejar o que não lhe pertence e possuir algo igual ou semelhante ao do outro, não exatamente o que é do outro.


Cobiça ou inveja ?


Diferentemente da inveja, esta sempre tem uma conotação negativa e a possibilidade de consequências nefastas, tanto para o invejoso, quanto para o invejado. Ao contrario da cobiça, a inveja dificilmente é sanada, já que está relacionada a um sentimento intrínseco de impotência. Observe que ele não quer algo igual ao do outro, ele quer o que é do outro, o que evidentemente não será possível sem tomar a força (ou mediante manipulação) aquilo que, legitimamente não lhe pertence. Ou pior, quando a inveja é atinente ao “ser” e não ao “ter”, a única maneira de erradicá-la é através da destruição do objeto de inveja. E como diz o velho ditado popular “se inveja matasse...”. Mas acredite, ela pode matar mesmo.
"É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja" (Honoré de Balzac)
Outro dia eu conversava com uma funcionária recém contratada, procurei saber um pouco sobre sua vida, perguntando-lhe se era casada, ela então respondeu que era viúva. Mas, observando sua juventude, indaguei sobre o que tinha acontecido, e ela conformadamente respondeu: “Meu marido morreu de inveja”. Como assim de inveja, questionei. Ela então disse: “Sim senhora, ele foi envenenado no trabalho, com uma xícara de café. Ele tinha sido recentemente promovido a chefe dos motoristas, mas isso não agradou aos colegas... nunca se descobriu quem foi, eram 12, ficou por assim mesmo”. Apenas pensei, realmente, a inveja pode se tornar um sentimento tão perigoso que não é a toa que, no direito criminal, em casos de homicídio, muitas vezes configura-se como agravante o “motivo torpe”.
 "O grau de inveja alheia determina o quanto somos bem-sucedidos" (David Saleeby)
Há muito tempo lembro-me que lia algures um texto sobre psicanálise e deparei-me com a triste estatística de que, mais de 50% das pessoas que sofrem de dores crônicas, esta relacionada a sintomas psicossomáticos oriundos de processos de estresse e ansiedade ligados a sentimentos de frustação, impotência, auto-julgamentos, o que logo me fez chegar a seguinte conclusão: afinal, a inveja não apenas mata, como pode torturar aos poucos... como um veneno, destilado gota a gota no âmago da própria serpente.
"Inveja é a falta de fé em sí mesmo" (Ditado árabe)
A conclusão é que, a inveja em seu estado ultrajante pode ser responsável tanto por doenças físicas e mentais, quanto pela formação de psicopatas e até mesmo criminosos. Mas calma, não se preocupe, embora “sejamos todos invejosos”, não seremos automaticamente “todos perigosos”. O processo de auto-conhecimento é fundamental para que possamos lhe dar com a inveja nossa de cada dia. Analisar-se, refletir e conhecer-se é imprescindível para que possamos superar essa lado negativo de viver. Afinal, acima de tudo “somos todos humanos”.